Por dentro da UTI Pediátrica

Iniciei na Terapia Intensiva no Hospital das Clínicas da USP em 2012, tendo atuado em UTI desde então em hospitais referência de São Paulo. São mais de 10 anos de experiência. Trabalhei por 7 anos na UTI oncológica infantil do Hospital das Clínicas da USP (o ITACI), sendo 3 anos como médica diarista/ horizontal. Já em 2013 comecei na UTI pediátrica do Sabará Hospital Infantil, onde sigo atuando até hoje.

A UTI é a minha base e onde desenvolvi experiência pra lidar com situações de gravidade utilizando a mais alta tecnologia. E bem mais do que isso, foi a UTI que ganhei expertise em como lidar com PESSOAS, com as mais mais diversas histórias e em diferentes situações, muitas vezes vulneráveis diante da doença.

O ambiente e a rotina da UTIP costumam ser bastante estressantes para as famílias e essa pode ser uma experiência realmente intensa. É nesse cenário que nos deparamos com os familiares sentindo-se sem chão, com muitas dúvidas, incertezas, medo da perda… Sintomas de ansiedade e depressão podem tomar conta da situação. A família pode adoecer junto com o paciente.
Sobre a UTI pediátrica:
A Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica (UTIP) é o ambiente hospitalar voltado para o cuidado de alta complexidade de pacientes com condições graves. Na UTIP as crianças recebem monitoramento rigoroso de parâmetros como frequência cardíaca, pressão arterial, padrão respiratório, oxigenação do sangue, temperatura, diurese, entre outros, além de oferecer mais tecnologias de suporte de vida, como o uso de ventiladores (máquinas de respiração) e medicamentos que são usados apenas sob supervisão médica rigorosa. A Terapia Intensiva Pediátrica no Brasil é uma área relativamente nova, completou 50 anos de história em 2022, a qual é marcada por um rápido e intenso avanço tecnológico.

Na maioria das vezes as internações ocorrem por doenças agudas que necessitam desse suporte especializado para serem revertidas, evoluindo com a recuperação completa da criança. É muito comum internações por bronquiolite, asma, pneumonia ou outras infecções, acidentes, pós operatórios, etc… Alguns podem ter sido diagnosticados com doenças graves que exigem um tratamento e monitorização mais intensivos, como crianças com cardiopatias, câncer, doença renal, doenças do fígado, entre outras.

O tempo de internação é variável e depende da complexidade de sua condição clínica. Algumas crianças podem passar de semanas a muitos meses internadas nas UTIPs. Exemplos são crianças prematuras extremas, com síndromes genéticas, doenças raras, cardiopatias complexas, etc…
Dicas importantes a saber e que podem ajudar famílias a passarem melhor por este período de internação em UTIP:
  • Busque conhecer e entender o papel de cada pessoa da equipe envolvida no cuidado de seu filho: médico diarista, médico plantonista, enfermeira chefe, técnica de enfermagem, fisioterapeuta, psicólogo, entre outros. 
  • Busque uma comunicação clara com a equipe visando compreender exatamente os motivos da internação em UTI e o tratamento proposto, incluindo todos os equipamentos que possam ser utilizados  como parte dele. 
  • Na UTI ocorrem visitas diárias, que geralmente acontecem pela manhã, na qual a equipe passa o boletim clínico para a família que acompanha a criança, existindo espaço para esclarecimento de dúvidas e  da programação do dia, assim como de outras possíveis demandas. Participe sempre que possível das visitas e não se intimide: pergunte sempre que tiver dúvidas.
  • É importante estabelecer uma relação de parceria com a equipe que cuidará de seu filho, A equipe domina o conhecimento técnico e os pais são os melhores conhecedores da criança, por isso devem atuar juntos. Equipe e família têm o mesmo objetivo: ver a criança bem. Uma boa comunicação e relacionamento faz toda a diferença. 
  • Muitas vezes existem muitos profissionais no cuidado da criança e é muito comum existir  ruídos de comunicação. Se as coisas estiverem confusas, solicite uma conferência familiar,  ou seja, uma reunião dos principais representantes da família com os principais representantes da equipe envolvidos no cuidado da criança. Através da conferência é possível ouvir todas as partes, discutir e alinhar ideias . 
  •  É importante manter essa comunicação alinhada e ir compreendendo a evolução do quadro da criança. Alguns casos podem ser mais complexos e, apesar de difícil, é importante periodicamente falar sobre prognóstico e possíveis cenários com objetivo de alinhamento de expectativas e do planejamento de cuidados. 
  • É muito importante ter uma rede de apoio forte, porém muitas vezes os amigos e parentes mais próximos podem não compreender a dimensão disso tudo. É comum então criar proximidades com outras famílias que estão na mesma situação, formando assim novos laços e uma nova família, autodenominadas como  “mães e pais de UTI”. Essa troca de experiências costuma ser bem rica. 
  • Cuide-se! Durante o período da internação é muito comum entrar no modo “piloto automático” e parar de dormir, comer, beber água, às vezes até tomar banho… lembre-se, é importante se cuidar para poder cuidar do outro. Como em uma maratona, se você não se cuida ao longo do trajeto pode não conseguir chegar bem no final. Foco no autocuidado! Afastar-se brevemente do estresse da UTIP ou até mesmo sair um pouco do hospital pode ajudá-lo a organizar melhor seus pensamentos. Revezem os acompanhantes para que alguém possa dormir um pouco, tomar banho com calma, tomar um café ou comer algo gostoso. Busque ter algum tempo de descanso para si, mesmo que mini pausas de 20 minutinhos no dia. Tire um tempo para respirar profundamente 5 vezes, meditar ou orar. 
  • Às vezes a situação pode ser realmente complicada, nesses casos é muito  importante equilibrar esperança e realidade.  Viver apenas de esperança,  se fechando para a realidade, pode virar ilusão. Ao mesmo tempo, viver sem esperança é impossível, faz parte da nossa condição humana ter esperança. Mesmo que sejam ruins, as notícias devem ser sempre dadas de forma empática e acolhedora pela equipe. Ouça e assimile as notícias ruins e tente seguir em frente com esperança. 
  • E o mais importante: devemos sempre lembrar do centro e foco de tudo – a criança. Ela precisa de todo suporte físico, emocional, social e até mesmo espiritual para passar por toda essa fase da melhor forma possível, é imprescindível o excelente manejo de sintomas, como dor ou falta de ar, por exemplo. A criança deve ter espaço para se expressar e deve ser ouvida. Ela precisa compreender o que está acontecendo, e para isso precisamos usar uma linguagem que ela entende (de acordo com o grau de maturidade de cada uma). Ela precisa sentir-se segura e amada. É importante  manter o máximo possível do mundo infantil dentro do hospital e atividades lúdicas são essenciais. Solicite seguimento com a psicologia e com um Child Life Specialist.
O pós internação em UTIP:
A alta da UTIP é um marco importante no caminho para a recuperação. Na maioria das vezes as crianças saem da UTIP e vão para a enfermaria de pediatria, onde passarão por um período de término de tratamento antes de receberem alta para casa. Algumas crianças podem ter alta para casa direto da UTIP em algumas situações especiais ou quando existe indicação de suporte domiciliar (Home Care).

Alguns problemas são comuns após a alta da UTI, conhecido como Síndrome Pós Terapia Intensiva, caracterizada por alterações cognitivas, psicológicas e físicas em função do período de hospitalização do paciente nas unidades de tratamento intensivo. Pode incluir:
  • Transtorno de Estresse Pós traumático (distúrbio de ansiedade que se manifesta em decorrência de o portador ter sofrido experiências de atos violentos ou de situações traumáticas.)
  • Alteração cognitiva e/ou de memória
  • Distúrbios do sono:  insônia, despertares noturnos, terror noturno, enurese noturna (“xixi na cama”)
  • Síndrome do imobilismo – caracterizada por fraqueza, fadiga, perda de funcionalidade
Após a alta é essencial manter um seguimento com pediatra experiente para avaliar a evolução da criança e da família, identificar esses possíveis problemas e receber ajuda e tratamentos adequados.